Além dos afastamentos, a Justiça autorizou a quebra de sigilo dos aparelhos telefônicos dos investigados, quebra de sigilo bancário, busca e apreensão nas residências e locais de trabalho de parte dos acusados e ainda o uso de tornozeleira eletrônica.
Operação da Polícia Federal serviu como base para investigação do Ministério Público que aponta quadrilha formada por policiais civis — Foto: Halisson Oliveira/TVM |
A Justiça do Ceará determinou o afastamento dos 26 policiais civis, entre eles três delegados, denunciados pelo Ministério Público do Estado (MP-CE) por integrarem uma organização criminosa instalada na Divisão de Combate ao Tráfico de Drogas (DCTD), delegacia em Fortaleza.
Segundo o MPCE, a decisão foi concedida no dia 17 de setembro e seguiu em sigilo judicial até a manhã desta segunda-feira (27), quando o órgão se pronunciou sobre o caso.
Além dos agentes de segurança, seis pessoas apontadas como "informantes" fazem parte da investigação, totalizando 32 alvos do Procedimento Investigatório Criminal, investigado através do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco). O documento foi protocolado no dia 18 de agosto.
Conforme o órgão, além do afastamento de função pública de todos os policiais acusados, a Justiça autorizou a quebra de sigilo dos aparelhos telefônicos dos investigados, de onde as conversas interceptadas durante a investigação foram trocadas, a quebra de sigilo bancário, busca e apreensão nas residências e locais de trabalho de parte dos acusados e ainda o uso de tornozeleira eletrônica.
O g1 teve acesso ao processo de 298 páginas, assinado por três promotores, e com detalhes do esquema. Entre os crimes apontados pelo MP contra os agentes estão: extorsão, tortura, tráfico de drogas, peculato, prevaricação, denunciação caluniosa, falsidade ideológica, falso testemunho, abuso de autoridade, fraude processual, entre outros.
Os investigados são:
22 inspetores da Polícia Civil;
três delegados;
um escrivão;
seis informantes.
Início das investigações
Conforme a denúncia do MP, a ação é resultante da continuidade da análise da extração de dados de aparelhos celulares pertencentes a investigados da Operação Vereda Sombria, deflagrada pela Polícia Federal em 2017 e do relatório de interceptação telefônica da Operação Gênesis, deflagrada em setembro de 2020. A investigação durou pelo menos três anos.
Na primeira, 13 policiais civis foram condenados na Justiça Federal após delação de um traficante português. Já na segunda operação, que está na quarta fase, os agentes de segurança são investigados por usar o sistema de informações da polícia para selecionar traficantes com o objetivo de obter vantagens financeiras.
A denúncia traz o relato detalhado de 26 fatos, ocorridos entre os anos de 2016, 2017 e 2018, em Fortaleza e na Região Metropolitana. As investigações sobre o caso duraram pelo menos três anos.
Interceptações telefônicas legais para fins ilícitos
De acordo com a denúncia do Ministério Público Estadual, a continuidade das investigações e do trabalho de análises de dados dos telefones celulares de delegados e inspetores lotados na DCTD revelou que as ações criminosas realizadas pelos agentes investigados da delegacia especializada partiam de interceptações telefônicas operadas legalmente por meio de autorização judicial.
"Os analistas de inteligência, que ouviam diretamente traficantes interceptados, passavam as informações aos policiais de rua e delegados, como é de praxe nesse tipo de serviço. Ocorre que parte dos policiais se aproveitava dessas informações privilegiadas para abordar as vítimas específicas, que pudessem ser 'trabalhadas', tanto para o alcance de apreensão de grande quantidade de drogas, quanto de dinheiro para os que integravam a linha de frente das abordagens, tudo com a conivência e proteção do delegados", diz o documento.
A denúncia afirma ainda que, para garantir o esquema do grupo, "os delegados se desdobravam no atendimento às exigências dos inspetores, seja para livrar algum informante naquelas situações que, de alguma forma, fugiram ao controle, seja para livrar e proteger os próprios policiais que participavam das operações".
"Se, por um lado, as grandes apreensões perpetradas pelos policiais traziam notoriedade, fama e destaque à DCTD e, consequentemente, aos seus gestores (delegados); por outro, as abordagens operadas nos bastidores possibilitavam o auferimento de altos valores monetários para os envolvidos in loco nas ações, notadamente inspetores e informantes, já que o deslinde destas não cessavam antes da prática de extorsões, torturas, peculatos e de toda sorte de abuso de autoridade".
Policiais recrutavam "informantes" para extorquirem traficantes
Conforme a denúncia, os policiais civis também recrutavam criminosos envolvidos com o tráfico de drogas para exercerem o papel de "informantes", que ganhavam a confiança de outros traficantes e negociavam compra de drogas.
Em seguida, essas pessoas informavam a negociação aos policiais civis que lideram o esquema, de acordo com o Ministério Público, e os agentes iam ao local combinado para a entrega dos entorpecentes com os "informantes", que portavam notas falsas para a negociação.
"...no local os policiais e o 'informantes' abordam o traficante, subtraindo a droga e os valores eventualmente encontrados; na sequência, através de ameaças e torturas, constrangem o traficante a entregar mais drogas e mais valores; por fim, os policiais ou formalizam apreensão de quantidade inferior e desviam a diferença para revenda ou sequer formalizam a apreensão, ficando com toda a substância apreendida, ou ainda, formalizam a apreensão de outras substâncias, ficando também com a substância apreendida", diz um trecho da denúncia.
No documento, o Ministério Público afirma que parte das drogas e dos valores obtidos nas ações criminosas são utilizados para remunerar os informantes, dando continuidade ao esquema.
Para o Ministério Público, as ações descobertas durante a investigação configuram a prática do crime de organização criminosa.
"...todos os acostados à presente denúncia, não deixam dúvidas acerca da existência de uma estrutura ordenada e institucionalizada, com diferentes níveis de relacionamento e distribuição de tarefas direcionada à obtenção de vantagens para seus integrantes, seja vantagem econômica ou prestígio profissional, através de cadenciado e autossustentável de práticas cotidianas de crimes graves, como extorsões, torturas, peculato, abuso de poder, tráfico de drogas, dentre outros".
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